Fantasia Lusitana

Catarina Mourão

Catarina Mourão é um compêndio do cinema documental, experimentando registos e enfrentando vários e diferentes desafios, sem nunca se “conformar” com um e apenas um tipo de “tomada” da realidade social, política ou afectiva. Viajamos, portanto, do norte para o sul do país (conhecemos o Porto “Capital Europeia da Cultura” sem sairmos do autocarro, em Próxima Paragem, e visitamos a velha Aldeia da Luz, antes da sua submersão após a construção da barragem do Alqueva, em A Minha Aldeia Já Não Mora Aqui) tal como passamos de um registo observacional, devedor dos irmãos Maysles (veja-se A Dama de Chandor, uma espécie de Grey Gardens situado na antiga Goa portuguesa) ou de Frederick Wiseman (a deliciosa sequência da reunião camarária de Fora de Água, “sintomática” reflexão sobre a relação nada simples entre arte, política e sociedade), para o filme pessoal ou de arquivo, que talvez possamos situar algures entre Agnès Varda e Artavazd Pelechian (casos da investigação familiar A Toca do Lobo, da pesquisa identitária, além de também familiar, presente em Ana e Maurizio e do virtuoso exercício de revisita histórica, nos moldes de um folk horror imerso nas imagens de arquivo do Estado Novo, O Mar Enrola na Areia). As referências são várias, mas há dois nomes que me parecem absolutamente centrais para começarmos a situar a sensibilidade (justeza do ouvido que sabe ouvir e da voz que “toca” no outro) de Mourão: Heddy Honigmann e Eduardo Coutinho. Porque são dois cineastas apaixonados pelas pessoas, que entendem o documentário como a suprema arte da auscultação, indo ao encontro do outro, por vezes sem grande preparação e em resultado de uma “interpelação” de rua (foi aí, e entre crianças, que Mourão decidiu produzir um documento sobre o período de êxtase e decepção que foi o Euro 2004, em À Flor da Pele).

A propósito desta capacidade de imergir numa dada comunidade e de compreender profundamente o outro, destaque-se o tocante Desassossego. Filme sobre um dos temas mais transversais no cinema de Mourão – a casa, lugar onde “vivemos, enchemos e morremos” (há o palácio-museu de A Dama de Chandor, mas também a casa-mundo de Lourdes Castro em Pelas Sombras) –, este documentário é revelador de uma capacidade rara para encadear narrativas de vida, engrandecendo, como personagens de ficção, pessoas que nos parecem ser “de todos os dias”. Eis uma cineasta que rejeita quaisquer formas simples de julgamento (veja-se o exercício de cinema observacional Mãe e Filha, em que fica claro não haver respostas definitivas sobre nenhuma situação e em que “a mediação é biodegradável”), fazendo da velha máxima de Jean Renoir um dos pontos inegociáveis desta sua já extensa filmografia: “A coisa terrível sobre a vida é esta: toda a gente tem as suas razões." Documentarista fundamental para percebermos o que foi e é este país desassossegado, Mourão também gosta de nos levar, pela mão, numa correnteza de vida qualquer, que não é nada terrível, bem pelo contrário, pois nestes filmes se celebra a magia do encontro com o instante e com o outro, lugar onde o reconhecimento é sempre possível e desejado. (Luís Mendonça)

Ana e Maurizio

de Catarina Mourão

16-10-2022 18h30 (PA)
Presença de Luís Mendonça
(Portugal, documentário, 2020, 65 min) M/12

A artista plástica Ana Marchand redescobre um livro da sua infância. Um livro escrito por um tio (Maurizio Piscicelli), com fotografias que relatam uma viagem pelo Congo. A partir desse livro, o documentário de Catarina Mourão revela-nos uma jornada de autodescoberta, pelos caminhos da odisseia e da memória, de uma linhagem e de uma família ao longo de séculos pela Ásia.

Desassossego

de Catarina Mourão

Sessão para escolas
19-10-2022 10h00 (AE D. Sancho I)
Presença de Ricardo Vieira Lisboa
(Portugal, documentário, 2001, 75 min) M/12

Um tríptico da vida na cidade do Porto. Este filme leva-nos a uma viagem através do "processo de mudança de casa" seguindo três personagens diferentes em diferentes etapas deste processo. Cada história será entrelaçada num tipo de corrente, permitindo a cada momento um ponto de vista diferente num plano de fundo totalmente diferente. Em complemento, será exibida a curta Próxima Paragem (2001, 15 min) : A cidade do Porto, no ano 2001, vista através de um autocarro e dos seus passageiros.

A Minha Aldeia Já Não Mora Aqui

de Catarina Mourão

20-10-2022 21h45 (PA)
Presença de Catarina Mourão e Fernando José Pereira
(Portugal, documentário, 2006, 60 min) M/12

Durante seis anos filmámos muitas horas de imagens na velha Aldeia da Luz, condenada a desaparecer debaixo das águas da barragem do Alqueva. A partir deste material e de redacções em que as crianças da Aldeia recordam o que sentiram durante todo o processo de mudança, este documentário conta-nos em flashback a estranha história da Luz. Em complemento, será exibido Fora de Água (1997, 45 min) : Em Maio de 1997, dez artistas plásticos foram convidados para realizar várias intervenções de arte pública no distrito de Beja, subordinadas a um tema genérico e particularmente agudo no contexto alentejano, “A Água”. A manifestação previa-se pacífica mas acabou por descambar numa série de atritos entre as populações locais e os objectos com que se viram obrigados a confrontar.

Masterclasse

por Catarina Mourão

Sessão para escolas (alunos de audiovisuais e multimédia)
21-10-2022 10h00 (OFICINA)
Presença de Catarina Mourão

Catarina Mourão estudou Música, Direito e Cinema (Mestrado na Universidade de Bristol e Doutoramento pela Universidade de Edimburgo, bolseia da FCT em ambos). Fundadora da AporDOC (Associação pelo Documentário Português). Dá aulas de Cinema e Documentário desde 1998 em diferentes Licenciaturas e Mestrados. Em 2000 cria com Catarina Alves Costa a Laranja Azul, produtora independente de cinema. É neste contexto que realiza os seus filmes que têm sido sempre premiados e exibidos em festivais internacionais. As suas áreas principais de investigação são o documentário, a memória, o sonho, o arquivo e a autobiografia.

Inclui a exibição de Pelas Sombras.
Título original: Pelas Sombras (Portugal, documentária, 2010, 80 min)
Classificação: M/12

Lourdes Castro (1930-2022) foi uma das maiores artistas portuguesas da segunda metade do séc. XX e início do séc XXI. Fascinada pelo seu trabalho, Catarina Mourão quis fazer um filme com a artista e Pelas Sombras foi realizado na localidade madeirense do Caniço, na casa que Lourdes construiu com o marido, o artista Manuel Zimbro, quando, depois de muitas décadas a viver em Paris e em Berlim, decidiram voltar para Portugal. E Catarina fascina-se de novo, com a “magia no quotidiano das coisas”, e filma Lourdes no seu espaço e na sua quietude, a tratar das plantas, a revisitar os seus álbuns de família, os livros de artista. Os gestos de todos os dias, o respirar.

A Dama de Chandor

de Catarina Mourão

22-10-2022 18h00 (PA)
Presença de Catarina Mourão e Nélson Araújo
(Portugal, documentário, 1998, 90 min) M/12

Passadas três décadas sobre a sua integração na União Indiana e a sua libertação face ao poder colonial português, Goa surpreende por nela coexistirem culturas diversas e uma sociedade que se encontra estranhamente cristalizada no tempo. Aida, a Dama de Chandor, tem oitenta anos e vive sozinha num palácio perdido numa aldeia goesa. Este documentário conta a sua história, acompanhando o seu esforço diário para preservar a todo o custo a casa onde vive, símbolo visível e palpável da sua identidade que ela sente ameaçada. A Dama de Chandor e a sua casa confundem-se. Aida terá de viver até garantir que a casa lhe sobrevive. Em complemento, será exibida a curta Mãe e Filha (2009, 15 min) : Diálogo surpreendente entre uma mãe e uma filha numa sessão de mediação para tentar resolver um conflito familiar.

Mal Viver

de João Canijo

19-05-2023 21h30 (PA)
(Portugal/França, ficção, 2023, 125 min) M/12

Num hotel familiar junto à costa norte de Portugal, vivem várias mulheres da mesma família de gerações diferentes. Numa relação envenenada pela amargura tentam sobreviver no hotel em decadência. A chegada inesperada de uma neta a este espaço claustrofóbico provoca perturbação e o avivar de ódios latentes e rancores acumulados.

A localização do filme é fundamental para a concretização das intenções do projecto, porque ele só poderia acontecer num lugar sem fuga possível. Um lugar onde as actrizes mulheres sejam obrigadas a ficar sozinhas e juntas, mesmo que desejem fugir. Um lugar de que dependa a vida das personagens. A escolha foi a de um Hotel isolado no litoral de Portugal, que funciona como uma prisão porque as personagens não podem sair dali. O filme parte da ideia de como as mães determinam a desgraça das filhas, que por sua vez vão determinar a desgraça das netas. É um filme sobre a ansiedade de ser mãe e como isso provoca incapacidade de amor incondicional. Três gerações de mulheres vítimas da ansiedade das suas mães: a ansiedade de uma avó tornou-a incapaz de ser mãe de uma filha que foi incapaz de ser mãe da sua neta. As actrizes não se transformam, adaptam-se à situação e circunstâncias das personagens, mas nunca deixam de ser a mesma pessoa. O argumento foi desenvolvido durante dois anos de discussões e ensaios com as actrizes pela necessidade de conseguir a verdade de cada uma.
João Canijo

Viver Mal

de João Canijo

20-05-2023 15h30 (PA)
(Portugal/França, ficção, 2023, 125 min) M/12

Um hotel junto à costa norte de Portugal, acolhe os seus clientes, num fim de semana. Um homem vive dividido entre a atenção a dar à sua mulher e o espaço que ocupa a sua mãe no meio deles. Uma mãe promove o casamento da filha para facilitar a sua relação amorosa com o genro. Outra mãe vive através da filha, impedindo-a de tomar as suas próprias decisões. Três núcleos familiares em final de ciclo de aceitação.

Viver Mal é um espelho do filme Mal Viver. Num espelho a imagem reflectida é invertida, neste filme a imagem mostra o que só pode ser imaginado no outro filme: os clientes do Hotel que são só sombras e vultos fugazes, em aparições muito fragmentadas, no primeiro filme, passam a ser os protagonistas. E a família do Hotel, protagonista do outro filme, passa a ser sombra e vulto fugaz, em aparições fragmentadas, que perturbam a narrativa das histórias dos clientes neste. A vida e os dramas da família do Hotel são vislumbradas em fragmentos perturbadores, estes fragmentos estimulam a imaginação do espectador e ao mesmo tempo acrescentam dimensão dramática aos personagens dos clientes, que deixam de estar isolados para passarem e viver num mundo com outras pessoas e em que podem ser observados. Viver Mal mostra outro ponto de vista sobre o mesmo tempo e o mesmo espaço, em que um ponto de vista mostra os dramas de que o outro só deixa vislumbrar fragmentos.
João Canijo

À Flor da Pele

de Catarina Mourão

20-05-2023 17h30 (PA)
(Portugal, documentário, 2006, 60 min) M/12

O Campeonato Europeu de Futebol estava a decorrer. Todos os olhos estavam postos em cima dos estádios, jogadores e desafios. Decidi desviar ligeiramente o meu olhar, e perceber o que se estava a passar ao lado dos estádios, fora das televisões: rapazes e raparigas a crescer, a lutar, crianças a parecerem adultos, adultos a comportarem-se como crianças, um país mergulhado na recessão e apatia à espera da vitória da selecção Portuguesa para aconchegar o ego. Mas no fim nada mudou e a vida continuou... Em complemento será exibido Malmequer, Bem-me-quer ou O Diário de uma Encomenda, um filme sobre o processo de realização de um documentário, mas sobretudo um diário em flashback da experiência da realizadora em confronto com um filme que lhe é encomendado pela televisão.