Na alvorada de uma nova linguagem, a infância de um cinema independente que vira costas ao artifício do estúdio para ir ao encontro da vida no novo mundo. De câmara na mão, ágil e nervosa, como uma extensão do próprio corpo que segue outros corpos que ardem em desejo, testemunha novas ideias e aspirações, para uma nova geração. Filmes ousados e emocionantes que não são aqueles que já tinham sido feitos muitas e muitas vezes. Histórias do cinema contadas por dois cineastas da ruptura, da subversão das estéticas dominantes e das fórmulas da narrativa. Glauber Rocha e os seus debates com as experiências mais extremistas para captar uma sociedade em convulsão, John Cassavetes à procura de uma verdade fugidia sobre as pessoas, em toda a sua multiplicidade, a partir de onde parece apenas seguir em frente e seguir em frente. “O cinema projectava e os homens viram que o mundo estava ali. Um mundo ainda quase sem história, mas um mundo que conta.”, diz-nos Godard no episódio 1B das suas História(s) do Cinema, dedicado a John Cassavetes e a Glauber Rocha. E o que é desvendado através destes olhares impregnados da rebeldia de uma juventude é um cinema inventado de novo que nos parece agora investido de uma enorme clareza e lucidez. Se à luz desta nossa era, a máxima Glauberiana de “uma câmara na mão e uma ideia na cabeça”, sugere uma arte em estado primitivo, o frescor dos novos artifícios empurram a humanidade projectada para uma vida maior do que a sua representação. É isso mesmo que nos é anunciado nos créditos finais de “Shadows” de Cassavetes: “the film you have just seen was an improvisation.” [Hugo Romão Pacheco]
Três jovens irmãos afro-americanos partilham um apartamento em Nova Iorque. Benny passa os dias entre a rua e os bares, Hugh tenta fazer carreira como cantor de jazz, e Leila sonha ser escritora. Primeira longa-metragem de Cassavetes, Sombras é como que um “manifesto” por um novo cinema, um cinema “rebelde”, que inaugura uma forma de trabalhar com os actores que se tornaria uma marca distintiva e decisiva na obra do realizador.
Numa aldeia de pescadores de xaréu, cujos antepassados vieram da África como escravos, permanecem antigos cultos místicos ligados ao candomblé. A chegada de Firmino, antigo morador que se mudou para Salvador fugindo da pobreza, altera o panorama pacato do local, polarizando tensões. O filme conquistou o prémio da melhor realização no Festival Internacional Karlovy Vary e é uma obra ímpar na história do cinema brasileiro.
Cosmo Vitelli (Ben Gazzara), dono de um clube de strip em Sunset Boulevard, quer acreditar ser um conquistador, que mantém tudo sob controlo. No entanto, encontra-se numa encruzilhada que o traz à sobriedade, quando confrontado com uma enorme dívida de jogo e um ultimato de um gangster. Para muitos trata-se do melhor filme de John Cassavetes. Uma desencantada reflexão sobre o poder e o dinheiro, através do percurso final do proprietário de um bar.
"Filme admirável, negro poema, "Terra em Transe" mostra como se fazem e se desfazem, no ‘terceiro mundo europeu', as ditaduras tropicais", escreveu à época Marguerite Duras. Longe do sertão e dos cangaceiros, inteiramente situada no Rio de Janeiro, a terceira longa-metragem de Glauber Rocha é sem dúvida o mais "cinematográfico" dos seus filmes. O protagonista é um jornalista que oscila entre um potencial tirano de esquerda e um potencial tirano de direita. Começando pela agonia do protagonista, o filme desenrola-se num longo flashback, numa montagem fragmentada, mas absolutamente coerente.
Se uma das coisas que se costuma dizer sobre Cassavetes é que ele filmava pessoas "normais" (por oposição às pessoas "extraordinárias" filmadas em Hollywood) então este filme representa um ligeiro desvio. Em "A Woman Under the Influence" a questão é, justamente, a "normalidade", a sua essência e os seus limites, numa reflexão centrada na suave loucura da protagonista. É um dos mais célebres filmes do realizador e, sem sombra de dúvida, um dos maiores papéis da carreira de Gena Rowlands.
António das Mortes é um antigo matador de cangaceiros que é contratado por um coronel para matar um beato agitador. Ele confronta sua vítima, mas decide poupar sua vida. Mais tarde, ele resolve apoiar a causa do povo contra os desmandos do coronel. O primeiro filme de Glauber Rocha distribuído comercialmente em Portugal, na senda do sucesso obtido em Cannes e no período dourado do reconhecimento do realizador nos anos 1960. Nas palavras do realizador, o seu "Alexandre Nevski" do sertão, uma ópera global inspirada pelas lições de Eisenstein.