Histórias do Cinema

John Cassavetes & Glauber Rocha: Iconoclastas das Américas

Na alvorada de uma nova linguagem, a infância de um cinema independente que vira costas ao artifício do estúdio para ir ao encontro da vida no novo mundo. De câmara na mão, ágil e nervosa, como uma extensão do próprio corpo que segue outros corpos que ardem em desejo, testemunha novas ideias e aspirações, para uma nova geração. Filmes ousados e emocionantes que não são aqueles que já tinham sido feitos muitas e muitas vezes. Histórias do cinema contadas por dois cineastas da ruptura, da subversão das estéticas dominantes e das fórmulas da narrativa. Glauber Rocha e os seus debates com as experiências mais extremistas para captar uma sociedade em convulsão, John Cassavetes à procura de uma verdade fugidia sobre as pessoas, em toda a sua multiplicidade, a partir de onde parece apenas seguir em frente e seguir em frente. “O cinema projectava e os homens viram que o mundo estava ali. Um mundo ainda quase sem história, mas um mundo que conta.”, diz-nos Godard no episódio 1B das suas História(s) do Cinema, dedicado a John Cassavetes e a Glauber Rocha. E o que é desvendado através destes olhares impregnados da rebeldia de uma juventude é um cinema inventado de novo que nos parece agora investido de uma enorme clareza e lucidez. Se à luz desta nossa era, a máxima Glauberiana de “uma câmara na mão e uma ideia na cabeça”, sugere uma arte em estado primitivo, o frescor dos novos artifícios empurram a humanidade projectada para uma vida maior do que a sua representação. É isso mesmo que nos é anunciado nos créditos finais de “Shadows” de Cassavetes: “the film you have just seen was an improvisation.” [Hugo Romão Pacheco]

Sombras

de John Cassavetes

Dia 14-10 15h00 (PA)
Presença de Alda Rodrigues
Shadows (EUA, ficção, 1958, 85 min) M/12

Três jovens irmãos afro-americanos partilham um apartamento em Nova Iorque. Benny passa os dias entre a rua e os bares, Hugh tenta fazer carreira como cantor de jazz, e Leila sonha ser escritora. Primeira longa-metragem de Cassavetes, Sombras é como que um “manifesto” por um novo cinema, um cinema “rebelde”, que inaugura uma forma de trabalhar com os actores que se tornaria uma marca distintiva e decisiva na obra do realizador.

Barravento

de Glauber Rocha

Dia 14-10 18h30 (PA)
Presença de Manuel Halpern
Barravento (Brasil, ficção, 1962, 75 min) M/12

Numa aldeia de pescadores de xaréu, cujos antepassados vieram da África como escravos, permanecem antigos cultos místicos ligados ao candomblé. A chegada de Firmino, antigo morador que se mudou para Salvador fugindo da pobreza, altera o panorama pacato do local, polarizando tensões. O filme conquistou o prémio da melhor realização no Festival Internacional Karlovy Vary e é uma obra ímpar na história do cinema brasileiro.

A Morte de um Apostador Chinês

de John Cassavetes

Dia 16-10 21h45 (PA)
Presença de João Canijo
The Killing of a Chinese Bookie (EUA, ficção, 1976, 105 min) M/12

Cosmo Vitelli (Ben Gazzara), dono de um clube de strip em Sunset Boulevard, quer acreditar ser um conquistador, que mantém tudo sob controlo. No entanto, encontra-se numa encruzilhada que o traz à sobriedade, quando confrontado com uma enorme dívida de jogo e um ultimato de um gangster. Para muitos trata-se do melhor filme de John Cassavetes. Uma desencantada reflexão sobre o poder e o dinheiro, através do percurso final do proprietário de um bar.

Terra em Transe

de Glauber Rocha

Dia 17-10 21h45 (PA)
Presença de Nelson Zagalo
(Brasil, ficção, 1967, 105 min) M/12

"Filme admirável, negro poema, "Terra em Transe" mostra como se fazem e se desfazem, no ‘terceiro mundo europeu', as ditaduras tropicais", escreveu à época Marguerite Duras. Longe do sertão e dos cangaceiros, inteiramente situada no Rio de Janeiro, a terceira longa-metragem de Glauber Rocha é sem dúvida o mais "cinematográfico" dos seus filmes. O protagonista é um jornalista que oscila entre um potencial tirano de esquerda e um potencial tirano de direita. Começando pela agonia do protagonista, o filme desenrola-se num longo flashback, numa montagem fragmentada, mas absolutamente coerente.

Uma Mulher Sob Influência

de John Cassavetes

Dia 19-10 21h45 (PA)
Presença de Susana Bessa
A Woman Under the Influence (EUA, ficção, 1975, 145 min) M/12

Se uma das coisas que se costuma dizer sobre Cassavetes é que ele filmava pessoas "normais" (por oposição às pessoas "extraordinárias" filmadas em Hollywood) então este filme representa um ligeiro desvio. Em "A Woman Under the Influence" a questão é, justamente, a "normalidade", a sua essência e os seus limites, numa reflexão centrada na suave loucura da protagonista. É um dos mais célebres filmes do realizador e, sem sombra de dúvida, um dos maiores papéis da carreira de Gena Rowlands.

António das Mortes

de Glauber Rocha

Dia 21-10 15h00 (PA)
Presença de José Barahona
(Brasil, ficção, 1969, 100 min) M/12

António das Mortes é um antigo matador de cangaceiros que é contratado por um coronel para matar um beato agitador. Ele confronta sua vítima, mas decide poupar sua vida. Mais tarde, ele resolve apoiar a causa do povo contra os desmandos do coronel. O primeiro filme de Glauber Rocha distribuído comercialmente em Portugal, na senda do sucesso obtido em Cannes e no período dourado do reconhecimento do realizador nos anos 1960. Nas palavras do realizador, o seu "Alexandre Nevski" do sertão, uma ópera global inspirada pelas lições de Eisenstein.