Regina Pessoa tornou-se rapidamente numa realizadora de referência: dona de um estilo único, inovadora, poeta, sensível e que embebe o espectador nas suas narrativas como ninguém. Faz cinema com o maior dos amores e com o seu amor, onde começou a sua jornada há mais de 20 anos. Começou a fascinar-se pelo cinema a preto-e-branco: foi o Chaplin que a transpôs para uma ideia de cinema, nas sessões de cinema itinerantes a que assistia na sua aldeia. Talvez o seu universo resumido ao preto e branco - ao qual acrescentaria, depois, o vermelho - tenha partido daí.
A Noite, a sua primeira obra, foi uma ousadia a vários níveis: recorreu à técnica de gravura em placas de gesso, abriu-nos as portas da sua infância e manteve-as abertas até aos dias de hoje. A Mãe, a figura que nos começa a apresentar em 1999 e que é tão enigmática que nos atrai facilmente e nos leva na canção de embalar e nas vozes - as múltiplas - sempre presentes. História Trágica com Final Feliz, que se seguiu, foi pura magia para o cinema de animação nacional: seleccionado para centenas de festivais em todo o mundo e um dos mais premiados de sempre, poder-se-ia dizer que terá sido dos primeiros filmes onde vemos a poesia do argumento e da imagem sob a forma animada como nunca tínhamos visto antes.
Kali, O Pequeno Vampiro traz-nos o vermelho, do sangue, do coração. O filme que marca a transposição e inovação tecnológica de Regina Pessoa, que consegue manter o cuidado visual, a plasticidade e textura das suas anteriores obras para uma vertente digital - era inevitável - e com a mesma facilidade continuou a dar-nos a mão e a continuar a viagem pelo seu universo único. Diria que foi o seu filme mais ousado - não só pela transposição para o digital - mas porque mistura, de uma forma perfeita, questões intrinsecamente humanas, cruéis por vezes - já presentes em História Trágica com Final Feliz - com um ritmo vertiginoso ao som de The Young Gods que nos irrompe tal qual o final inusitado do ser mais temível que é, na verdade, dos mais altruístas de que há memória. Um retrato íntimo e tão próprio da natureza humana vivido através da voz (na versão portuguesa) de Fernando Lopes.
A sua infância é novamente trazida à tona sob a forma do seu tio, o Tio Tomás. O homem que talvez lhe tenha possibilitado o primeiro laivo criativo, que lhe mostrava a vida com a mesma facilidade de quem desenha nas paredes com o carvão da lareira. Que lhe mostra as possibilidades do desenho, as texturas, as sombras, a imagética que depois a acompanha e da qual não desiste. O mundo particular em que habitava e que nos foi mostrado em Tio Tomás, a Contabilidade dos Dias é-nos narrado por Abi Feijó, o seu eterno aliado na vida e na arte, que dá uma verdadeira dimensão humana, real e apaixonante deste Tio mágico - tão mágico quanto o Abi. A perfeita convivência. Voltaremos a ver a Mãe na sua próxima curta-metragem e tudo se manterá: um filme em forma de amor. [Regina Machado]
Regina Pessoa nasceu em Coimbra e licenciou-se em Pintura pela Faculdade de Belas Artes do Porto. Em 1992 começou a trabalhar em animação como animadora nos filmes “Os Salteadores”, “Fado Lusitano” e “Clandestino” todos de Abi Feijó. Em 1996 começa a realizar os seus próprios filmes de animação: “A Noite" (1999), "História Trágica com Final Feliz" (2005), "Kali o Pequeno Vampiro" (2012) e "Tio Tomás a Contabilidade dos Dias" (2019), com os quais obtém um grande reconhecimento e ganha inúmeros prémios nos principais festivais e eventos mundiais (Annecy, Annie Awards, Hiroshima, … ), tornando-se uma referência incontornável da Animação Portuguesa e reconhecida recentemente no Top 3 dos melhores realizadores mundiais dos últimos 25 anos (Animac’2021). Três dos seus filmes fazem parte da lista de filmes do Plano Nacional de Cinema, e são estudados por crianças e jovens das escolas Portuguesas. Em 2016 torna-se “Senior Lecturer” na escola de Animação Alemã FILMAKADEMIE e em 2018 é convidada para ser membro da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood.
Exibição das quatro curtas realizadas por Regina Pessoa:
Tio Tomás, A Contabilidade Dos Dias (Portugal/Canadá/França, 2019, 13 min)
Kali, O Pequeno Vampiro (Portugal/Canadá/França/Suiça, 2012, 9 min)
História Trágica Com Final Feliz (Portugal/Canadá/França, 2005, 8 min)
A Noite (Portugal, 1999, 7 min)
Um conjunto de filmes da produção portuguesa de animação que definem uma identidade contruída ao longo de quatro gerações:
Os Salteadores de Abi Feijó (1993, 14 min)
Abraço do Vento de José Miguel Ribeiro (2005, 3 min)
Fuligem de Vasco Sá e David Doutel (2014, 14 min)
Amélia e Duarte de Alice Guimarães e Mónica Santos (2015, 8 min)
Água Mole de Laura Gonçalves e Alexandra Ramires (2017, 9 min)
Das Gavetas Nascem Sons de Vítor Hugo (2017, 8 min)
Purple Boy de Alexandre Siqueira (2019, 14 min)
Nestor de João Gonzalez (2019, 6 min)