Autor de filmes sobre pneus assassinos, moscas gigantes e casacos de camurça, fabricante de excentricidades lançado para a fama mundial no final dos anos 1990 enquanto Mr. Oizo, produtor musical e DJ, com um single de sucesso "Flat Beat" e um boneco estrela de videoclipes e anúncios comerciais chamado Flat Eric. Ele é Quentin Dupieux. Agente provocador? Realizador de bizarrias? Descendente do surrealismo? Nesta secção, que se propõe ser espaço de contemplação de objectos disruptivos que cruzam as margens do grande território cinema, espíritos novos que absorvem, transformam e restituem a matéria do mundo que os precedeu, estarão em destaque as duas últimas longas-metragens, estreadas em Portugal, do realizador, argumentista, montador e director de fotografia francês. Como diria Enrique Vila-Matas, numa citação entre a realidade e a invenção, se não sabemos o que é a vida, porque é que para nós haveria de ser tão claro o que é um filme?
Hugo Romão Pacheco
Com realização e argumento de Quentin Dupieux – célebre pelos filmes “Rubber - Pneu” (2010), “100% Camurça” (2019), “Mandíbulas” (2020) ou “Yannick” (2024) –, uma comédia de teor surrealista que segue uma jornalista francesa (Anaïs Demoustier) nos seus vários encontros com o famoso pintor espanhol Salvador Dalí, com o intuito de fazer um documentário. Os seis "a"s do título representam os seis atores que interpretam Dalí no filme: Édouard Baer, Jonathan Cohen, Gilles Lellouche, Pio Marmaï, Didier Flamand e Boris Gillot. A banda sonora é da responsabilidade de Thomas Bangalter, membro dos extintos Daft Punk.
Tudo tem início durante a apresentação da peça “O Cornudo”, encenada no Bouffes Parisiens. Quando três atores se esforçam por prender a atenção de uma plateia quase vazia, são interrompidos por Yannick (Raphaël Quenard), que lhes diz que a peça é de tal modo má que não o faz esquecer os seus problemas reais e que, para ali estar, ele teve de tirar um dia de folga, viajar 45 minutos dos subúrbios para Paris e andou mais 15 minutos. Um esforço ingrato, segundo o próprio. Os atores e alguns espectadores pedem-lhe que se retire. Mas, ao perceber que está a ser alvo de troça, Yannick perde a cabeça, aponta-lhes a sua pistola, faz deles reféns e decide reescrever a peça inteira. A partir daqui surge uma peça dentro da peça. Estreada no Festival de Cinema de Locarno, uma comédia negra escrita, realizada e editada por Quentin Dupieux. Uma curiosidade: durante a semana de estreia deste filme em França, todas as pessoas que provassem ter o nome Yannick tinham direito a um bilhete gratuito.